Neodadá em música, teatro, poesia e belas-artes _ GEORGE MACIÚNAS (1962)

Neodadá#, seu equivalente, ou o que parecer neodadá, manifesta-se em três amplos campos de criatividade. Vai das artes do "tempo" àquelas do espaço; ou, mais precisamente, das artes literárias (arte-tempo) ao grafismo (artes-espaço), passando pela literatura-grafismo (artes-tempo-espaço); à música não-gráfica ou sem partitura (arte-tempo), passando pela música-grafismo (arte-espaço-tempo); aos ambientes (artes-espaço), passando pela música teatral (arte-espaço-tempo). Não existem fronteiras de um a outro desses pólos. Muitas obras pertencem a várias categorias e numerosos artistas criam obras distintas em cada uma delas. No entanto, cada artista e cada categoria dependem do conceito de concretismo#, que vai do pseudoconcretismo ao concretismo superficial, ao concretismo estrutural, ao concretismo de método (sistemas indeterministas) para desembocar no concretismo extremo, além dos limites da arte, chamado às vezes de antiarte ou niilismo artístico. As novas atividades dos artistas poderiam então ser agenciadas segundo dois eixos de coordenadas: a abiscissa definindo a transição das artes do "tempo"em direção às do ëspaço"e voltando ao "tempo"e ao ëspaço"etc.; a ordenada definindo a transição da arte extremamente artificial, ilusionista, e, ainda, da arte abstrata (não envolvida por esse texto), até o concretismo suave, que se torna cada vez mais concreto, ou antes, não-artificial, para chegar à não-arte, à antiarte: a natureza, a realidade.

Contrariamente aos ilusionistas, os concretistas preferem a unidade de forma e de conteúdo à sua separação. Preferem o mundo da realidade concreta à sua separação. Preferem o mundo da realidade concreta à abstração artificial do ilusionismo. Assim, em artes plásticas, por exemplo, um concretista percebe e exprime um tomate podre, mas não transforma nem sua realidade nem sua forma. Enfim, a forma e a expressão permanecem idênticas ao conteúdo e à percepção – a realidade de um tomate podre, mais do que sua imagem ilusória, ou seu símbolo. Em música, um concretista percebe e exprime o som material em toda sua policromia, sua atonalidade e sua "incidentalidade" mais do que o som abstrato, imaterial e artificial, dotado de uma altura pura ou, para ser mais preciso, de tonalidades controladas, despojadas dos harmônicos e a policromia resultante indicam claramente a natureza do material ou da realidade concreta que lhe deu origem. Assim, uma nota emitida por um teclado de piano ou por uma voz do belcanto é eminentemente imaterial, abstrata, uma vez que o som não indica claramente sua verdadeira fonte ou sua realidade material – a ação banal de uma corda, da madeira, do metal, do feltro, da voz, dos lábios, da língua, da boca etc. Um som produzido, (por exemplo), batendo no mesmo piano com um martelo ou dando pontapés em sua caixa é mais material e concreto, uma vez que indica de maneira bem mais nítida a dureza do piano, a natureza cavernosa da caixa e a ressonância da corda. Os sons da fala humana ou da mastigação são igualmente mais concretos, pela mesma razão que sua fonte é reconhecível. Esses sons concretos são em geral, mas abusivamente, qualificados de ruídos. Sem dúvida são em larga medida átonos, mas é assim que se tornam policrômicos, pois a intensidade da cor acústica depende diretamente do tom que oblitera os harmônicos discordantes.

Afastar-se mais do mundo artificial da abstração significa levar em conta o conceito de indeterminação e de improvisação. Como a artificialidade implica uma predeterminação humana (um dispositivo), um concretista mais autêntico rejeitará a predeterminação da forma final, para perceber a realidade da natureza cujo curso, como aquele que é próprio do homem, é altamente indeterminado e imprevisível. Assim, uma composição indeterminada se aproxima mais de um concretismo, permitindo à natureza consumir sua forma segundo seu próprio curso. Isso impões que a composição traga uma espécie de contexto de trabalho, uma "máquina automática"no interior da qual, ou por meio da qual, a natureza (seja sob indeterminadas-aleatórias) possa consumar o gênero artístico, efetiva e independentemente do artista-compositor. Assim, a contribuição fundamental de um artista verdadeiramente concreto consiste em criar – mais do que a forma ou a estrutura – um conceito ou um método pelo qual a forma será realizável independentemente dele. A exemplo de uma solução matemática, uma tal composição é bela por seu próprio método.

A etapa seguinte rumo ao concretismo é, naturalmente, uma espécie de niilismo artístico. Esse conceito se opõe à arte e a rejeita, uma vez que seu próprio sentido implica a artificialidade, seja na criação da forma, seja no método. Para melhor abordar a realidade concreta e melhor compreendê-la, os niilistas da arte ou os antiartistas (que geralmente recusam essas definições) ou criam a "antiarte" ou trabalham sobre o nada. As formas "antiarte" atacam em primeiro lugar a arte enquanto profissão, a separação artificial do artista e do público, ou do criador e do espectador, ou da vida e da arte; são contra as formas artificiais, os modelos e os métodos da própria arte; contra a pesquisa do objetivo, da forma e do sentido em arte. A antiarte é a vida, a natureza, a realidade verdadeira – ela é um e tudo. A chuva que cai é antiarte, o rumor da multidão é antiarte, um espirro é antiarte, um voo de borboleta, os movimentos dos micróbios são antiarte. Essas coisas também são belas e merecem tanta consideração quanto a arte. Se o homem pudesse, da mesma maneira que sente a arte, fazer experiência do mundo concreto que o cerca (desde os conceitos matemáticos até a matéria física), ele não teria necessidade alguma de arte, de artistas e de outros elementos "não-produtivos".


http://www.youtube.com/watch?v=xU2zi3FnU3I

http://www.youtube.com/watch?v=kc3-C7Lnzh0

http://www.youtube.com/watch?v=ND-ga_BrkCE&list=RD021Xt2SqMh2gI

http://www.youtube.com/watch?v=1Xt2SqMh2gI

http://www.youtube.com/watch?v=ce4TCth0gGM

http://www.youtube.com/watch?v=ThIexgXllyo

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